sexta-feira, 5 de agosto de 2011

NO CAMINHO COM MAIAKOVSKI


Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm a ninguém é dado
repousar a cabeça alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz:
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã, diante do juiz,
talvez meus lábios calem a verdade
como um foco de germes capaz de me destruir.
Olho ao redor e o que vejo
e acabo por repetir são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó à porta do templo
e me pedem que aguarde até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei, porque não estou amedrontado,
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina lançada sobre os arsenais.
Vamos ao campo e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas no tempo da colheita lá estão
e acabam por nos roubar até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso defender nossos lares,
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.
E por temor eu me calo.
Por temor, aceito a condição de falso democrata
e rotulo meus gestos com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso, esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim, com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita – MENTIRA!
                                            Eduardo Alves da Costa

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