sábado, 17 de março de 2012

Em missivas



Caríssimo Escrivão da Noite

Medidas Incompreensíveis...O absurdo a que nos propomos e que, em tão rígida madeira resolvemos talhar - razões em forma de libelo – intitula-se, como é sabido por alguns, Filosofia Marginal. Apodo melhor seria difícil. Mas qual seria mesmo a intenção dessa polêmica e absurda malha de pensadores? Intenção qualquer que seja não se identifica nem um pouco com a da ciência (razão instrumental) nem com o escopo dela (a pecúnia). Se porventura o sistema capitalista, com suas armas aniquiladoras, resolvesse nos admitir para logo em seguida nos banalizar, como tem feito com a nata intelectual e seus excrementos ideológicos, seria surpreendido por uma ácida indigestão. Eis, então, o primeiro adjetivo, ou melhor, caráter da Filosofia Marginal: uma razão acidamente indigesta. Sabemos muito bem que a ciência, precursora do progresso, dirige seu comboio maquinando respostas quantificáveis e mensuráveis, assegurando “eficiência total” e delimitando milagrosamente a área de saber e exploração racional. E nessa perspectiva o poder e o controle são exercidos e manipulados com maestria (ironicamente me lembro de Paganini e seu violino). No torvelinho de “transformações” sociais em que somos envolvidos conseguem ainda que as conseqüências de uma razão que só olha para frente passem despercebidas (laconicamente tento não pensar em um animal com viseiras). A codificação ideológica é óbvia: “Está cientificamente comprovado”. ...Inconteste?Ora, não nos esqueçamos que a ciência trabalha com probabilidades e estatísticas, o que pode constituir uma fenda tendenciosa no que se refere ao conhecimento. Conferir à ciência natural uma autoridade que outrora era do Deus cristão resolveria os problemas seculares da inquietude humana ou só apresentaria caminhos igualmente dolorosos? A “Filosofia”, que a toda hora é ridicularizada, fica com a batata quente e limita-se a assoprar as mãos dentro da jaula conceitual que ela mesma criou; fica com a parte que a ciência não quer perder tempo e que há muito rejeitou: refletir sobre o que já foi feito e estabelecido. Essa “Filosofia”, devido à autocontemplação, é, todavia, impotente, porque evita descer ao carcomido mundo dos raciocínios braçais, isto é, dos raciocínios que parecem ter membros, pois a todo tempo enfrentam ignorâncias colossais. Não teria sido a “Filosofia” cerceada pela razão instrumental? Evidente é que, ambas, persuadidas a legitimar a ideologia da inexorabilidade do sistema vigente, parecem satisfeitas com o status que lhes é conferido e cumprem perpetuar porcos rituais morais que antes tão veemente combatiam. Assim, uma razão que aponte essas incoerências tem que ser violentamente excluída, colocada à margem, pois parece apontar com uma diatribe em forma de metralhadora para todos os lados. Assemelha-se vivamente à loucura,um verdadeiro absurdo. Sim...O absurdo a que nos propomos – e não abrimos mão da palavra verdadeiro – chama-se Filosofia Marginal e não nos identificamos pelo diploma, pelo currículo ou qualquer meritocracia, senão pela vitalidade do nosso pensamento.

ao filósofo Sidnei, Tchê.
Eduardo Soares. 06 de Março de 2007.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Afaste-se da razão!


                                                                           
Queres um conselho? Mantenha-se nas trevas da ignorância e afaste-se da luz da razão o máximo que puderes. Pois só assim irás conseguir manter esse doentio sorriso no rosto, essa alegria desmedida e o gosto por coisas fúteis e irrelevantes. Aprofunda-se no lodo da ignorância, e lhe garanto que conseguirás dormir em paz, e levantar ao amanhecer repleto de energia para ser explorado, humilhado em mais um fatigante dia de serviço.
Fuja da razão! Afaste-se do caminho do conhecimento, esqueça Marx, Descartes, Rousseau, busque o entretenimento barato que a televisão pode nos proporcionar, absorva o conhecimento inútil dos mecanismos de tele-comunicações, assista novelas, programas de auditórios, pois só assim conseguirás se sentir o máximo, saboreando um hambúrguer do palhaço e bebendo o néctar dos imbecis, corrosivo e de cor escura.
Acredite, a razão doe, nos faz perceber nossa decadente e patética condição de homem. E lhe fará questionar tudo que tens de mais sagrado e concreto em sua vida, como Deus e o capitalismo. A razão lhe fará enxergar as incoerências da religião e toda podridão do nosso sistema econômico que se sustenta na desigualdade e na pura exclusão de uma grande massa de pessoas, que são sujeitadas a viver precariamente, trabalhando muito e recebendo pouco, sendo educada em um sistema educacional de baixa qualidade e a serviço da classe dominante, responsável por formar todos os anos uma leva de analfabetos funcionais.
O pior, é que você irá perceber que faz parte dessa massa, que respira poluição, que paga muitos impostos, e jamais verá estes refletidos em benfeitorias sociais. Perceberás que quando adoeceres irá para um hospital público, se conseguir vagas.
A razão lhe fará enxergar o quanto tu és um escravo, maleável e manipulável. Não só você mais toda uma imensa massa que sustenta esse sistema degradante, injusto chamado capitalismo. Verás o quanto esse sistema submete milhões de pessoas a miséria, a fome e a mortalidade infantil, para que uma minoria continue lucrando.
E quando perceberes isto, não será mais como antes, quando perceberes, aquele sorriso doentio e patético sumirás de teu rosto, não sentirás prazer em trabalhar, e sim irás sentir o peso da exploração em todas as horas em que estiver trabalhando. Começarás a questionar, perderá a fé, e o convívio com os outros se tornará difícil, pois você mudou, mas eles não, eles continuarão alienados e cheios de fé como antes.
Por tudo isso que lhe falei, fuja da razão! Ela é uma luz traiçoeira, que lhe fará questionar e posteriormente lhe fará enxergar o quão não há beleza em nossa forma de viver, comprando e consumindo de forma desmedida, acabando com os recursos naturais de nosso planeta, e que não passamos de pobres criaturas, usadas, manipuladas e descartadas ao bel prazer do capitalismo.    

Erique Gustavo Soares da Silva